sábado, 31 de maio de 2008

Fichamento de Texto: PAXTON, Robert O. A anatomia do Fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7: p. 283-334 (Outras épocas, outros lugares)

O fascismo ainda é possível?
O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico é a repugnância que ele inspirou, ainda mais tento que enfrentar uma série de fatores como a globalização irreversível da economia mundial, o triunfo do consumismo individual, o declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional e a redução da credibilidade da ameaça revolucionária. No entanto em função de uma série de acontecimentos preocupantes na década de 1990 como a limpeza étnica dos Bálcãs, a exacerbação dos nacionalismos excludentes no Leste Europeu pós-comunistas, a disseminação dos grupos skindheads contra os imigrantes e as crescentes participações políticas da extrema-direita na Itália, França e Holanda com a ascensão de fragmentados grupos de extrema-direita na vida política e social da Europa, o desaparecimento desse regime foi posto em xeque.
Sendo apresentado com uma nova roupagem, como um racismo e um nacionalismo abertamente violentos, seus elementos definidores – uma ilimitada soberania nacional, o gosto pela guerra e uma sociedade baseada na exclusão violenta – não tem lugar no mundo do pós-guerra, pois as condições que permitiram a ascensão e a tomada de poder no período entre guerras não mais existem. De qualquer forma um fascismo futuro como uma reação a uma crise qualquer ou buscando a restauração da historia e do orgulho nacional, não teria uma semelhança perfeita com o exemplar original, com interesses cifrados, não se utilizaria se seus signos e símbolos além de que decerto daria a si outro nome.
As cópias-carbono do fascismo clássico, a partir de 1945, sempre soaram exóticas ou chocantes demais para conquistar aliados, como os skindheads que geram tanta repulsa enquanto intentam conquistar apoio. Temos que entender o renascimento de um fascismo atualizado como o surgimento de algum tipo de equivalente funcional, e não de uma repetição exata.

A Europa Ocidental desde 1945
Mesmo após a derrota e a execração do fascismo após 1945, alguns de seus seguidores e partidários fiéis, e até mesmos simpatizantes com suas causas e objetivos, sendo inclusive realocados ultimamente, fez surgir na Europa movimentos herdeiros do regime. A crescente participação e presença na política, inclusive em altos cargos do escalão administrativo, de grupos e partidos de extrema-direita em toda a Europa – França, Grã-Bretanha, Holanda e Alemanha, nas últimas décadas, sobretudo nas duas que encerraram o século XX, como não nos deixam mentir os resultados das eleições, provoca certa tensão na sociedade como um todo.
Como já dito no parágrafo anterior, o neofascismo saudosista não se limitou a Alemanha e a Itália. A França e a Grã-Bretanha, vitoriosas, mas exaustas pela Segunda Guerra Mundial, sofreram a humilhação de perder seus impérios e sua posição de grandes potências. Seria de esperar que os fascismos nostálgicos diminuíssem à medida que a geração de Hitler e Mussolini fosse morrendo. Inesperadamente, entretanto, movimentos e partidos de direita encontraram um período de crescimento nos anos de 1980 e 1990. Embora alguns filhos tenham levado adiante a mesma causa de seus pais, novos recrutas, dando voz a novas queixas, trouxeram novo ímpeto à direita radical européias. Algo que se assemelhava aos fascismos nem de longe estava morto, na entrada do século XXI.
Mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam então estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973. Essas mudanças vinham levantando novas questões e preparando um novo público para novos movimentos e partidos de direita radical, que viriam a alcançar maior êxito que os fascismos herdeiros das três décadas que se seguiram ao conflito mundial. Enfrentando crises em setores fabris tradicionais e a concorrência dos Tigres Asiáticos com uma mão-de-obra mais barata, a Europa afronta-se com o desemprego estrutural.
O colapso da solidariedade e da segurança para grande parte da classe trabalhadora européias, que teve início na década de 1970, foi a gravado pela chegada a Europa Ocidental de levas de imigrantes do Terceiro Mundo, ao longo do pós-guerra. Em tempos de fartura, os imigrantes eram bem-vindos, porque vinham assumir o trabalho sujo recusado pela força de trabalho nacional. Mas quando desde a Grande Depressão, os europeus passaram a enfrentar o desemprego estrutural, os imigrantes deixaram de ter boa acolhida.
Além disso, a imigração para a Europa tinha mudado de figura. Enquanto os imigrantes anteriores vinham da Europa do sul ou do leste, diferindo apenas ligeiramente de seus anfitriões, os novos imigrantes vinham agora de antigos territórios coloniais. Com isso, os europeus tiveram de coexistir com comunidades permanentes de africanos, indianos e islâmicos, que alardeavam suas identidades separadas. A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional.
Agora as medidas keynesianas que proporcionaram o boom da Era de Ouro no seguido pós-guerra, agora detonavam níveis de inflação perigosos. As sucessivas privatizações cada vez mais freqüentes, aliada a Terceira Revolução Técnico-Científica agravaram o desemprego; o Estado como fonte tradicional de apoio vinha perdendo espaço para o mercado global e para a União Européia; o sistema previdenciário beirava a falência com o aumento do número de seguridades em função dos elevados níveis de desemprego e pelo aumento da expectativa de vida, aí um fator positivo. Toda essa conjuntura e esse conjunto de inimigos surgidos permitiram o nascimento de uma nova geração de movimentos de extrema-direita como os de Jean-Marie Le Pen, na França, e a Alleanza Nazionale, na Itália, também em função de o comunismo estar bastante desacreditado, havendo uma carência para os que almejavam mudanças.
Hoje em dia, na Europa Ocidental, existe uma relação inversa entre uma aparência abertamente fascista e o sucesso nas urnas. Por essa razão, os líderes dos movimentos de extrema-direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo. Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos como o medo da decadência e do declínio, afirmação da identidade nacional e cultural, a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis e a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas. No entanto, o elemento cuja ausência é notada é o clássico ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico. Além disso, a democracia vacilante da primeira metade do século já está, agora, bastante consolidada. De fato, a maioria dos movimentos é visto como de causa única, direcionados a mandar de volta a seus países de origem os imigrantes indesejáveis, e é somente por essa razão que a maioria de seus eleitores tem seu voto.

O Leste Europeu pós-soviético
Na Rússia quando, após 1991, o experimento pós-soviético com a democracia eleitoral e a economia de mercado trouxe resultados desastrosos para o país, movimentos resgataram a tradição eslavófila com explícitos experiências nazistas com um programa de renascimento e unificação nacionais sob uma autoridade forte, acrescidos de uma proposta de reconquista.
No entanto, todos os Estados sucessores do Leste Europeu, a partir de 1989, também tiveram movimentos de direita radical, embora a maioria deles, felizmente tenha permanecido fraca. A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos. Os casos da Iugoslávia, da Bósnia e da Croácia, foram os mais emblemáticos, não só pela presença de extremismos como Milosevic, mas as propostas separatistas seguidas de guerras, massacres étnicos e antagonicamente de formação de grandes nações de maioria étnicas.

O Fascismo fora da Europa
Alguns historiadores argumentam que o fascismo histórico exigia as pré-condições especificamente européias da revolução cultural do fim do século, da rivalidade entre os pretendentes ao status de grande potencia, do nacionalismo de massas e da disputa pelo controle das instituições democráticas. Outros dizem que o fascismo representa abrir mão das instituições livres, sendo característicos dos que possuem uma democracia frágil, e, portanto, são expansivos aos países do Terceiro Mundo.
É uma discussão bastante polemica, pois nem todos os governos tidos como fascistas, o são efetivamente. Alguns são apenas anti-democráticos, autoritários e segregacionsitas, incluindo o período de apartheid da África do Sul, a Ação Integralista Brasileira e os governos de Getúlio Vargas e Juan Perón, que embora tenha sido ditadores e possuidores de influencias fascistas, sobretudo Perón com seu sofisticado sistema de tráfico e abrigo de nazistas, no fim das contas ficaram ao lado dos aliados como Vargas ou mantiveram-se diante de uma neutralidade pró-eixo, como Perón. Não se deve esquecer das ditaduras latinas, principalmente a chilena sob o comando do general Pinochet com fortes elementos fascistas.
O fascismo japonês, acima de tudo, ditatorial também é um bom exemplo de regime desse tipo fora da Europa, que diante de um autoritarismo militarismo praticou o expansionismo pela Ásia em defesa dos povos amarelos, mas para seu próprio proveito. Governos sanguinários da África também são confundidos com fascismo, mas em comum, possuem apenas o apreço pela violência.
Os Estados Unidos são um antagônico e complexo caso a analisar. Contando com movimentos de extrema direita são cunho xenófobo, principalmente com os negros – esse fenômeno é recíproco – como para com latinos e nos últimos anos em principal, após os atentados terroristas de 11 de setembro, contra o islamismo. Esse último aspecto nos realoca ao fundamentalismo religioso, como o protestantismo radical, aliado a cultura black, presentes na sociedade norte-americana.
Partindo para o conturbado Oriente Médio podemos falar novamente no fundamentalismo, agora muçulmano, como razão da discórdia, do enfrentamento e da criação e ascensão de grupos extremistas que praticam o terror sob a intolerância. Destaque para o Irã, e o governo ditatorial de Saddam Hussein, além dos embates entre Israel e os palestinos com o apoio dos irmãos árabes, e do caso libanês junto do seu, agora na política, Hammas. Nesse caso, podemos admitir um fascismo de base religiosa, pois a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade, inclusive incitando a violência.

Nenhum comentário: