sábado, 31 de maio de 2008

Fichamento de Texto: VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual”

Introdução:
O neonazismo não se restringe à idéia de um movimento político em si, ou a questões exclusivamente de origens sociais, éticas ou filosóficas. Trata-se de um fenômeno que está calcado nos problemas internacionais e que não está conhecendo fronteiras no mundo inteiro. Apresenta-se em diversas formas, seja como partido político, no caso de extrema-direita, de um eleitorado suprapartidário e como gangs sendo o que se chama de um processo múltiplo, e o que é visível representa apenas parte de um fenômeno muito mais complexo.

Nascimento, expansão, derrota e hibernação:
Houve na Europa um solo fértil para o surgimento do nazifascismo, no fim da I Grande Guerra como o sucesso da Revolução Bolchevique e as crises financeiras que atingiram o continente e ainda estava em cena um processo de negação de todo ideário da Revolução Francesa, resgatando tradições conservadoras que se opunham a noção de progresso e a noção iluminista.
Recentemente foi feita uma comparação muito interessante entre os anos 70 e 80 com os anos 20 e 30 mostrando o tipo de produção cultural e de imaginário político que foi se gestando, os desgastes sofridos pela economia e pela política, sobretudo na Europa, mas não limitado a ela, e que tiveram como respostas manifestações sociais de forma a repudiá-los.
O ressurgimento dessas ideologias deve-se ao fato de que em 1945, o fascismo foi derrotado, mas não eliminado ou vencido definitivamente, pois ainda, no final da Segunda Guerra Mundial regimes de perfis fascistas estiveram presentes na cena política na Europa. Portugal de Salazar e a Espanha de Franco negociaram com as potências vencedoras e mantiveram-se no poder. Evidente que algumas reformas um pouco cosméticas foram introduzidas nesses regimes para mascarar o seu caráter, pois o nazifascismo fora derrotado, e eles permaneceram no poder até a década de 70, inclusive participando da OTAN. Destaque também regime dos coronéis gregos durante os anos 60 e 70.
Houve uma tentativa durante e após a guerra de esmagar junto com o fascismo, as ideologias esquerdistas, o que não conseguiram as potências ocidentais. No entanto, na Guerra Fria foi feita uma divisão da Europa de caráter geopolítico, não respeitando as particularidades internas dos países na hora de estabelecer as divisões. Na realidade, países como a Grécia, a Itália e a França, onde a esquerda era muito forte, permaneceram no campo ocidental. Enquanto isso, países onde a esquerda era muito fraca, como Polônia, Hungria e Romênia, permaneceram no bloco soviético.
Uma das saídas encontradas foi reorganizar as forças conservadoras, nos países do lado pró-ocidente, em tomo, por exemplo, de partidos como a Democracia Cristã, de centro e centro-direita que deveriam, então, equilibrar a vida política desses países. Há de se ressaltar que dentro dos partidos de centro-direita formados no pós-guerra havia militantes e membros dos partidos fascistas.
Com o Plano Marshall, percebe-se uma nova tendência nos julgamentos de criminosos de guerra, inocentando pessoas, sobretudo grandes empresários que haviam sido extremamente ativos na manutenção desses regimes. O anti-comunismo vai ser a grande bandeira atrás da qual puderam se esconder, mostrando uma forma de solidariedade com as democracias liberais que ali existiam, falando da ditadura dos outros (o leste socialista) e não daquela do seu passado, com a afirmação de que o problema estava do outro lado da Cortina de Ferro, exclusivamente, essa foi uma camuflagem muito útil para a manutenção da vida política nesses lugares, para quebrar o poder da resistência e dos grandes partidos de esquerda e dos sindicatos, que eram extremamente fortes em vários desses países.
No entanto, personalidades nazistas eram extremamente úteis no Pós-Guerra, como os especializados em combater as organizações de esquerda e que trabalharam por um tempo para a agência de Inteligência norte-americana (CIA), sendo o caso, de Wemer Von Braun. Outros utilizaram seu conhecimento técnico importante para o projeto espacial norte-americano e, evidentemente, tiveram seus arquivos suavizados para poder participar como um cidadão das democracias em uma corrida espacial contra a URSS.
Formou-se de fato, uma série de redes internacionais de solidariedade que levaram várias personalidades, elementos importantes do regime derrotado, a buscar refúgio tanto nos EUA quanto no Canadá, mas também nas periferias como a América do Sul e África do Sul, sendo elementos integrados como uma força anticomunista. Nesse quadro, destaco a operação Gladio, uma organização paramilitar, que assim como outras, eram utilizadas como uma virtual segunda linha de defesa da OTAN, no caso de uma guerra e de uma invasão soviética. Como ela nunca aconteceu, elas eram empregadas para golpear organizações sociais, organizações civis de esquerda, sindicatos, partidos políticos, entre outros. A organização Gladio era uma formação européia, existente em todos os países da Europa e financiada pela OTAN durante todo o período de Guerra Fria.
Durante os "anos dourados" nas sociedades ocidentais, particularmente na Europa, a população sofreu uma acomodação política. Houve uma desnazificação conduzida pelos governos, com políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra, existindo um enquadramento desses em uma sociedade liberal democrática, uma sociedade de consumo, ocorrendo progressivamente, uma despolitização dessas populações, onde o remexer no passado procurando investigar, acabava por chocar-se com o passado dos seus pais.
Nesta época, os partidos de extrema-direita tinham uma composição etária curiosa. Eram formados por pessoas acima de 60 anos e que haviam sido nazistas no passado; e depois se seguia a faixa de pessoas de meia idade, onde a pirâmide reduzia-se drasticamente; abaixo, uma ampla base social de jovens, assim, aquelas pessoas que haviam vivido a desnazificação tinham uma representação muito pequena. Normalmente esses partidos viviam uma vida vegetativa e semi-clandestina, onde outras formas de reuniões eram preferidas, como os clubes e associações e que utilizavam certas causas periféricas, por exemplo, as mudanças de fronteiras.

O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
Os grandes "anos dourados", os anos de prosperidade, começam a esgotar-se desde a crise do petróleo. Em meados da década de 70, o mundo inteiro é sacudido por diversas revoluções ultranacionalistas ou socialistas, que atingem o Terceiro Mundo, da Nicarágua a Angola, do Ira ao Vietnã. A crise do petróleo desencadeada por regimes do Oriente Médio no poder criou uma recessão econômica que começava a atingir o Primeiro Mundo. Era também o fim do milagre econômico da Era de Ouro e do Estado de Bem-Estar Social. Na verdade, por trás disso, está uma reconversão industrial e tecnológica muito mais ampla (a crise do petróleo é um problema limitado dentro de um amplo espectro de reorganização produtiva). De qualquer forma, a crise econômica e a vitória dessas revoluções começam a fazer com que aquela simpatia que existia na classe média européia pelo Terceiro Mundo - e que muitas vezes era uma espécie de "alívio da consciência de seu próprio passado" - passasse a declinar.
Com o surgimento de alguns capitalismos bem sucedidos no Terceiro Mundo os países ocidentais começam, lentamente, a ser inundados por mercadorias baratas produzidas na Ásia Oriental, por exemplo, que criaram certo tipo de xenofobia, pois passam a competir com países do Primeiro Mundo. Há claro, um quadro de estagnação industrial, e o surgimento do desemprego, tudo isso aumentado pela enxurrada de imigrantes.
Esses fatores favorecem o renascimento do nazifascismo, e somado a isso, está à estagnação e a regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte. O problema demográfico em si mesmo, era acrescido a reorganização da economia mundial, que fazia com que alguns setores econômicos do Primeiro Mundo necessitassem de um tipo de mão-de-obra mais barata e fizesse, efetivamente, um apelo a vinda de trabalhadores estrangeiros para setores que não tinham a margem de lucratividade suficiente para atrair a população nativa mesmo desempregada, esses além de crescerem profissionalmente, constituem famílias e acirram a competição no mercado de trabalho e por serviços básicos.
Nesse período, a sociedade de consumo formada era ligada a uma idéia de cidadania enquanto consumo, surgindo contrários a esse estilo de vida, os hippies "cabeludos e pacifistas" (e de classe média), que vão ser substituídos por uma versão mais popular, os skinheads. Eram movimentos de contracultura pelo desencanto com a sociedade de consumo, com a sociedade que se centrava na questão do indivíduo e do enriquecimento pessoal. Esse vai ser então, um local de recrutamento para as organizações fascistas ou neofascistas.
Nos anos 70, os regimes de Salazar em Portugal, o franquismo na Espanha e o regime dos coronéis gregos vão desmoronar, e a extrema direita começa a reorganizar-se abertamente com o fim “oficial” de regimes semelhantes ao fascismo. Os anos 80 são anos de retomada do liberalismo na economia. É uma época que vai caracterizar-se pelo desemprego e por incertezas de toda ordem, o emprego passa a ser uma virtualidade ou passam a ser frágeis, sem seguro social. A forma de trabalho passa a ser flexível devido ao toyotismo que, então, substitui o fordismo. Tudo isso refletido não só pelos skinheads, mas também pelas torcidas organizadas, os hooligans, que estão fortemente implantados nos bairros de desempregados e de classes deprimidas.
Estas tensões sociais vão encontrar uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que foi seu grande ponto de partida e o seu relançamento. Os estrangeiros passam a significar, nesse sentido, pessoas que iriam tomar seus empregos, que estariam mudando seus modos de vida e de sua cultura, introduzindo as drogas, a criminalidade, a decadência. Crescem os pedidos para rever a política de imigração para refugiados políticos, que havia sido uma "generosidade" da Europa até aquele momento, muito motivada pelo passado nazista. Tamanha é a demanda do povo por restrições às imigrações, atendidas pela direita, que a esquerda passa a fazer o mesmo. Todo o espectro político começa a caminhar para a direita, nos anos 80, com a eleição generalizada de governos conservadores na Europa, paralelo e estimulado pela falência do projeto social-democrático e pela crise do socialismo na década de 80, acrescido pelas privatizações e cortes de serviço social.
A partir disso, a social-democracia que deu estabilidade à Europa no Pós-Guerra, começa a passar por toda uma reciclagem para tentar aproximar-se de uma visão mais à direita. O ressurgimento da Guerra Fria permitiu o retomo da ideologia enaltecedora da violência e o combate a elementos reformistas e esquerdistas.
Contudo, as potências acabaram criando um "monstro" que, retoma-se o culto ao militarismo. Nos anos 80, vários problemas vão levar ao retomo do irracionalismo, refletido no campo das ciências, aquilo que futuramente chamar-se-ia de pós-modernidade. O pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório amplia-se para o campo da cultura, da sociedade, da religião, ou seja, há uma ampla expansão desse irracionalismo. Ocorrem peregrinações que aumentaram pelo mundo. O Estado está se retirando do campo social e econômico e os grandes movimentos políticos e os partidos não respondem mais as demandas sociais. A necessidade de buscar proteção toma-se imperativa.
Todo esse misticismo torna-se um fenômeno de massa, com a emergência de jogos de sorte e azar, loterias e horóscopo, as pessoas começam a gostar de assistir filmes, não apenas de violência, mas aqueles filmes que propõem um tipo de catarse. Formas atávicas, como a restauração de um Islã, reintroduzindo práticas sociais arcaicas e, finalmente, tomando-se um regime político a religião toma-se uma política de Estado. A religião passa a ser uma categoria política.
O fim da URSS e da Guerra Fria, a competição econômica internacional e a reestruturação tecnológica, produzem não só integrações econômicas, mas fragmentações pelo mundo, gerando uma crise social e econômica de novo tipo, onde a esquerda reclama menos da exploração e mais da exclusão. Ou seja, muitas vezes os governos de esquerda fazem enormes concessões para atrair alguma empresa, mantê-la e para ter algum ingresso de capital.
Passa a existir uma espécie de extrema-direita, sem causa e abandonada. O fundamentalismo islâmico, por sua vez, escapa do controle. Os neonazistas começam a fazer ações, principalmente nos países do Leste Europeu, que saem do regime socialista. A extrema-direita, o nacionalismo, a xenofobia e as idéias neonazistas surgem com vigor em países onde até então não havia, de certa forma, estruturas e formas de convivência capazes de lidar com este fenômeno.
Os últimos anos do comunismo foram negativos em termos de performance econômica, havendo uma descrença neste sistema por uma parcela significativa da população. Além disso, a idéia geral era "passar para o outro lado". Ora, adotar outro sistema revelou-se uma experiência frustrante e dolorosa, porque implicou em uma reciclagem industrial e numa política de ajustes que ocasionou forte desemprego. Daí o desencanto com o capitalismo ter sido um passo muito rápido, porque quanto mais ilusão se tem com algo, mais rapidamente vem à desilusão, deu-se o resgate de formas atávicas do que havia de pior no nacionalismo desses países.
Houve um grau de despolitização inédito. O desencanto das pessoas com os partidos, com os políticos e com as instituições democráticas é elevado e extremamente preocupante, abrindo espaço para "antipolíticos" populistas. Quanto a não aceitação do outro, do diferente, eram atestado quando as pessoas chegadas do Leste Europeu e que ficam acampadas próximos das estações ferroviárias, quando jovens neonazistas são pagos por pessoas vizinhas para expulsá-los dali, numa tentativa de continuar a tranqüilidade. A queda do Leste Europeu ampliou em muito o problema das migrações, onde uma massa de refugiados, se dizendo perseguidos políticos ou de origem alemã, ou ainda fugindo de guerras, chega à Europa Ocidental diariamente, as vítimas são apresentadas como agressores e delinqüentes.
Outro caso é o "racismo" existente entre os wessis e os ossis, ou seja, os alemães da Alemanha ocidental e os da antiga Alemanha oriental. Existe um sentimento de rejeição recíproca muito forte atualmente, pois as duas sociedades são estruturalmente diferentes, e os orientais são tratados como vencidos. Trata-se de questões socioeconômicas e políticas, inclusive no barril de pólvoras da lugoslávia, pois sérvios, croatas, bósnios e eslovenos constituem um mesmo grupo étnico.
Como resultados, os neofascistas estão presentes nas últimas eleições. No entanto sabe-se que o medo e a ignorância são à base desses movimentos, e as democracias devem se armar contra isso, através da mobilização social.
Estamos vivendo uma espécie de esgotamento, declínio e em alguns pontos, até colapso de uma ordem que existiu anteriormente. É precisamente neste hiato de pânico e desesperança que surge o medo. Já se expandiram através do mundo as revoluções conservadoras e os diversos fundamentalismos. O contra-senso nutre-se de ignorância e medo, de crença e esperança. São os elementos de toda religião, de toda superstição. O traumatismo econômico que sofrem atualmente as sociedades arrisca transformar esses elementos em elixires para uma nova barbárie.

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