domingo, 15 de junho de 2008

Fichamento de Texto: MILMAN, Luis. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luis, VIZENTINI, Paulo.

I. Introdução: Atrocidade e Cinismo:
O artigo de Luis Milman foca o trabalho dos negacionistas, a vertente de historiadores que nega os crimes nazistas, desmentindo-os, simplificando-os, ou tratando os como meros atos de guerra e até mesmo defensivos pelos nazistas. Eles constroem uma versão fictícia da História e que essa versão produz efeitos políticos, vide a extrema direita européia e o avivamento do anti-semitismo. Com isso, obriga os historiadores a refutá-los e a fazer uma reflexão sobre a relevância do papel da História e da memória para a educação humanista.
Essa pessoas que negam ter havido o extermínio planificado de judeus (sobretudo, mas não exclusivamente), desejam, através de contorcionismos retóricos, descriminalizar o regime nazista e, com isso, reabilitar o nazifascismo como opção política. É essa tentativa, a saber, a de aliviar o nazismo de seu fardo criminoso, que deve ser analisada.
Como historiografia, o negacionismo é uma deformação, uma expressão particularmente assustadora da naturalidade, baseados num perspectivismo relativista, Eles praticam o embuste e o cinismo. Alguns, por exemplo, admitem que judeus foram assassinados pelos alemães, mas dizem que estes assassinatos teriam sido crimes de guerra, tão condenáveis quanto os crimes cometidos pelos aliados contra os alemães.
Com essas declarações, admitem uma indiferença moral com respeito a atrocidades cometidas contra judeus pêlos alemães durante a II Guerra. Não há remorso, não há admissibilidade de culpa, reconhecimento ou vergonha pelo sofrimento humano causado. Há racionalizações sobre as circunstâncias da guerra.
No entanto, o trabalho de renomados historiadores como Zygmund Bauman, nos mostra exatamente a face real e cruel desses atos de guerra nazistas. “O Holocausto foi um genocídio deliberado e planificado, cujo resultado foi à eliminação da metade da população judaica européia. Também é verdade que a doutrina e a prática da eliminação física dos judeus, priorizada e executada em escala industrial pêlos nazistas, é, para os padrões de uma moral não contaminada pelo cinismo, uma aberração sem precedentes na História. Ela resultou da combinação de uma idéia política bizarra - a reforma do mundo pela engenharia racial, que era a convicção de um grupo racista que conseguiu chegar ao poder na Alemanha com uma conjunção peculiar de características do totalitarismo nazista, tais como a formação de uma cadeia de comando disciplinada e disposta a executar as ordens de um líder "acima de todas as outras devoções e compromissos, a indiferença de pessoas comuns com relação ao destino dos judeus, o emprego de tecnologia e de métodos de planejamento modernos e a criação de uma máquina administrativa dedicada ao assassinato coletivo”.
O maior perigo desse movimento é que os pseudo-argumentos dos revisionistas da negação e do seu papel na ofensiva política da ultra-direita européia, voltou a ocupar terreno em disputas eleitorais.

II. Dos Paleonazistas a Rassinier: a primeira fase do negacionismo:
Os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a "história oficial". No entanto essas dissimulações têm suas motivações políticas. É a expressão, a mais recente, do ideário político anti-semita cultivado pela direita radical européia desde o final do século passado; é o instrumento, não o único obviamente, de uma intensa ofensiva ideológica que visa a habilitar o fascismo como alternativa política para a solução de problemas estruturais das democracias consideradas estáveis na Europa do Pós-Guerra; é uma compreensão inteiramente anti-sionista do conflito árabe israelense e, sobretudo, palestino-israelense. Desse modo, o negacionismo passa a servir de justificativa para a rejeição de qualquer forma de compromisso com a existência política de Israel, rejeição a qual se apegam setores árabes e muçulmanos ideologicamente intransigentes.
Componente principal ainda é o anti-semitismo virulento, que identifica as oligarquias capitalistas ao judaísmo internacional, e este ao sionismo. Destaque para aqueles que se utilizam da complicada geopolítica do Oriente Médio e as ações de Israel pra simplificar os crimes cometidos pelos judeus. Os Paleonazistas acrescentaram, ao pan-arabismo e ao enfrentamento com Israel, o componente anti-semita do ideado nazista, que se tomou, assim e definitivamente, um ponto importante da doutrina de rejeição total de Israel no mundo árabe e, a partir de 1980 especialmente, no Irã.
O negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser o elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição ideológica de grupos políticos nazistas. Inicialmente centrados na acusação de parcialidade e revanchismo dos julgamentos de Nuremberg, essa ensaística deriva para a eliminação dos crimes nazistas e para a inversão que transformava os criminosos da II Guerra em vítimas, apresentando teses como a da inexistência das câmaras de gás.
Nesse cenário destaque para os grupos europeus, como o Movimento Social Europeu, que reagrupam ideólogos da extrema-direita e amantes do fascismo com a participação de autores negacionsitas como Bardeche e Rassinier.

III. De Faurisson e da Velha Toupeira: o negacionismo híbrido:
Essa escola alega que a “história oficial” compreende uma só mentira, desafortunadamente endossada até agora pela história oficial (a dos vencedores) e pelo poder colossal dos meios de comunicação. Que o genocídio era "uma invenção judia pura e simples" e que "a única coisa exterminada em Auschwitz foram piolhos". Nesse cenário, destaque para o papel da França de Vichy e do nostálgico anti-semitismo do vichysmo francês para o negacionismo e como o berço dos debates revisionistas.
No entanto, essa vertente tem tido o apoio de setores da esquerda anárquica, radicalmente anti-sionistas, o esquerdismo sectário que passava por um processo de quase extinção no final dos anos 70, mas que encontrou, na negação do genocídio, a base do que pode ser chamado seu renascimento ideológico. Isso tudo quebrou a monotonia da identificação do negacionismo como discurso exclusivo de extrema direita e, gerou uma confusão acerca da natureza desse movimento. A esquerda radical passou a defender posições nacional-socialistas e anti-sionistas, numa ruptura total com o consenso antifascista, do qual a esquerda européia historicamente participara. Não podemos perder de vista, entretanto, que o lugar natural da negação do Holocausto é a extrema-direita.
Destaca-se nesse mundo do faz de conta, a Velha Toupeira como editora anti-sionista e negacionista que virara um grupo revolucionário independente da ultra-esquerda que abrigava os revisionistas. Nela os ideólogos como Rassinier têm a liberdade de publicarem suas deslavadas mentiras. Anti-soviética, anti-burguesa, por fim anti-trotskista, anti-sionista e intérprete autêntica da história revolucionária. Vendo o anti-fascismo como álibi do capitalismo, para ela, não há qualquer especificidade hitlerista nas galerias das tiranias modernas: os campos de concentração só poderiam ser campos de exploração no sentido econômico do termo.
É também importante acentuar que, desde a primeira metade dos anos 70, tais idéias passaram a ser defendidas por nazistas europeus e norte-americanos, que publicaram vários textos destinados a provar que o extermínio de judeus não passava de um mito. Nessa época também, alimentada pelo apoio e a dimensão obtida pelas teses, à extrema-direita francesa voltaria a apresentar credenciais políticas, com a Frente Nacional de Lê Pen.

IV. Butz, Irving e Garaudy:
David Irving na década de 70, com a publicação do livro "A Guerra de Hitler", tentou isentar Hitler de qualquer responsabilidade pelo extermínio, que o autor atribui principalmente a Heydrich e a Himmler. Irving sustentava, nesse livro, que matanças em massa haviam sido cometidas desordenadamente e obedecido a uma dinâmica independente, inteiramente desconhecida de Hitler, que não as teria aprovado.
Surgiu no fim da década de 80, o Leuchter Report um relatório pretensamente científico de autoria de um engenheiro que se dizia especialista em instalações de câmaras de gás para sentenciados à morte dos Estados Unidos. Destinava-se a provar que os instrumentos usados em Auschwitz, Treblinka e Sobibor não eram adequados para a aniquilação em massa, e que sua função era a desinfecção sanitária.
Vale ressaltar as conclusões dos trinta anos de pesquisa dos autores revisionistas: As "câmaras de gás" de Hitler nunca existiram; os "genocídios ou os pretensos genocídios” dos judeus nunca ocorreram; claramente, Hitler jamais ordenou ou permitiu que alguém fosse morto por razões raciais ou religiosas; as alegadas "câmaras de gás" e o alegado "genocídio" são uma única e a mesma mentira; essa mentira, essencialmente de origem sionista, permitiu uma gigantesca fraude político-financeira cujo principal beneficiário é o Estado de Israel; as principais vítimas dessa mentira e fraude são os alemães e os palestinos; o tremendo poder da mídia tem garantido, até agora, o sucesso da mentira e proibido a liberdade de expressão daqueles que denunciam a mentira, e que os apoiadores da mentira agora sabem que ela agora está para ser desvelada; eles distorcem o significado e a natureza da pesquisa revisionista; eles chamam de "ressurgimento do nazismo" ou de "falsificação da história".
Todos esses argumentos não passam de uma simulação ideológica ampliadas na identificação das causas do sofrimento do povo palestino com as causas do sofrimento do povo alemão, ambos alegadamente vitimados pela tirania judaica, além da denúncia da perseguição que sofre a pretensa pesquisa histórica.
As premissas tomam Hitler inocente ou ao menos atenuam seus crimes. Suas conclusões são credenciadas na linha terceiro-mundista da escola, ao fixarem uma posição anti-imperialista, cuja essência é, no entanto, é uma propaganda anti-sionista que encobre o conhecido anti-semitismo político.

V. Negacionismo como retorno à catequese racial:
Essa vertente extrai tais teses do que seus protagonistas chamam de "crítica de documentos". A crítica, alegam, produz uma ruptura com o que, ainda segundo a escola, tornou-se a "opinião de consenso" acerca do destino dos judeus europeus durante a II Guerra. No entanto trata-se de tentar desmentir um fato “indesmentível”, pois além de tudo, a literatura revisionista não atende a critérios histórico-documentais sequer aceitáveis.
Trata-se da invenção de um nazismo historicamente inocente e, por outro, na denúncia de Israel como um estado títere do imperialismo - que é apresentado como uma ordem política e econômica, em última instância, controlada por judeus.
Uma interpretação anti-semita sistemática da história (que invalida qualquer evidência do extermínio) e a constante exploração da “judeofobia”, que identifica o judaísmo com uma corporação político-econômica voltada para a dominação dos povos, tomando-se a essência da visão de mundo e da prática nazista com uma receptividade deste anti-semitismo renovado, a partir da década de 50, pela propaganda de guerra do mundo árabe contra Israel,
O anti-semitismo fornece, em síntese, a base conceitual da escola negacionista. Com a combinação de variadas de ideologias, o que fazem é atualizar, no Pós-Guerra, o mito da perversidade judaica, complementado-o com o disfarce da solidariedade terceiro-mundista. Demonstram uma submissão de tipo confessional ao linguajar da burocracia nacional-socialista, que se destinava a encobrir o assassinato. Tais grupos valem-se da negação do extermínio para sustentar que o regime nazista (anti-imperialista, pacífico, e anticomunista, para os nazifascistas, ou mera decorrência do capitalismo, para os errático-marxistas) foi levado à guerra por um complô judaico, cujos interesses Hitler e seu regime haviam contrariado.
Faz-se a suspeição sistemática lançada contra toda a evidência do Holocausto. Testemunhos dos sobreviventes, documentos e fatos incontroversos sobre a sua planificação ou execução são simplesmente denunciados como invenções do sionismo internacional e dos governos que ele supostamente controla.
Promovendo um redirecionamento da literatura marxiana para o anti-semitismo fora do contexto do autor, é a compreensão que as mitologias anti-semitas suprimem quando propõem uma interpretação literal e atomizada deste texto, provocando a degeneração do pensamento de esquerda.
A crença de que o judaísmo é o arquétipo do capitalismo está presente em muitos textos do século XIX e ocupa um lugar central no enredo que faz da negação do genocídio a pedra-de-toque de teorias conspiratórias e fantasias de complôs secretos. É com base no uso dessa crença que a pseudo-história dos negacionistas manipula evidências e questiona a existência de um crime que ninguém pode seriamente pretender negar. Na realidade, o negacionismo só funciona, na História, em vista da operacionalidade do mito anti-semita. No negacionismo, o crime é simplesmente suprimido, transformado em ficção e, nessa condição, atribuído a um plano de dominação judaica.

VI. A título de conclusão: metodologia ou patologia:
O investimento simultâneo na humanização de Hitler (e de seu regime) e na satanização dos judeus sustenta uma indústria editorial de milhões de livros e ainda ajuda a conquistar votos em toda a Europa (cerca de 20 por cento do eleitorado). No entanto, devemos nos ater a questionar em que sentido pode ser sustentado a tese de que a derrota do nazismo foi à derrota da Alemanha?
Os negacionistas colocam-se deliberadamente à margem da seriedade científica, mas isto não cria maiores dificuldades para suas pretensões. Há, na mentalidade contemporânea, espaço suficiente para crenças em fantasmagorias e insanidades e isto nada tem a ver com o fato de haver uma verdade suficientemente assentada sobre o destino de milhões de judeus europeus: eles foram exterminados de várias formas, por uma decisão política clara e uma máquina criada para o assassinato em massa. Os negadores desta verdade não oferecem nenhum argumento sério, não formulam nenhuma dúvida fundamentada, sobre o que já sabemos sobre os crimes nazistas.
Tem um pouco mais de espaço, pois as referências explícitas, os comandos e as decisões ligadas ao extermínio foram sistematicamente evitadas, assim como foram destruídas muitas evidências dos crimes, que foram recobertos pela linguagem cifrada.
No entanto, eles fazem um jogo de persuasão, para o qual importa apenas a simulação da verdade, apenas a aparência de ciência e de crítica produzida por uma logorréia voltada para a sedução de ignorantes e protofascistas.
O racismo moderno, que nasceu no século XIX também com uma aparência de cientificidade, é, sem dúvida, um conjunto hermético de idéias inteiramente mentirosas e desumanas. O racismo - e o anti-semitismo em particular- toma tudo àquilo que é falso sobre a natureza humana, a base para a construção de certezas indestrutíveis ao nível da história e da economia. Sua noção central, a raça, é a negação de todas as idéias de utopia, a melhor expressão do ressentimento e do desejo político pela imobilidade social, do horror reacionário à mudança e à transformação
O racismo, em qualquer nível, é a negação do humanismo. É uma ideologia da reação, A degeneração na própria constituição natural dos indivíduos, que assim são agrupados em campos de pureza ou impureza biológica. O racismo faz a fusão entre História e Biologia, entre moral e natureza. Estritamente, o racismo não responde à razão, porque não é um argumento, mas uma patologia racionalizada.
Agrupamentos e partidos políticos xenófobos da atualidade substituíram a forma biológica desta patologia pela forma culturalista. A preservação da "pureza racial" deu lugar à defesa da "identidade cultural autêntica".
O racismo e o integrismo cultural supõem uma comunidade de sangue ou de cultura monolíticas e condicionam a identidade pessoal pela absolutização das diferenças. Essa ideologia proíbe qualquer raciocínio que não seja derivado do medo da mestiçagem, do ódio aos inimigos da raça ou da tradição. Os ideólogos neonazistas, no entanto, dedicam-se a reorganizar o mito da conspiração judaica mundial em vista de objetivos políticos renovados. Eles são racistas, em sua grande maioria. Há também os “judeófobos”. Alguns têm ainda defendido a posição de ignorá-la, mas esta me parece uma forma equivocada de avaliar o problema do negacionismo. Confrontá-la com razões e posicionamentos claros é um passo efetivo no sentido de fazê-la refluir. Devemos isso à memória dos que foram mortos em Auschwitz, Beizec, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Chelmno, às vítimas da eutanásia, das torturas, dos trabalhos forçados, dos fuzilamentos, do confinamento em guetos, dos que resistiram e dos que enfrentaram o nazismo. Devemos, sobretudo, a nós mesmos e ao nosso futuro como civilização.

2 comentários:

Bruno Ruffier disse...

Texto excelente meu caro.

Anônimo disse...

O perdão é um dos sentimentos, mais lindos e importantes
em nossa vida, enriquece a alma e alivia o coração
é um dos principais caminhos para nossa felicidade
por isso não guarde mágoas dentro de voce.
.
Cubra suas mágoas com várias camadas de amor, quando alguém
te ferir e voce sentir raiva, peça luz em oração para esta pessoa.
.
Deus certamente lhe dará toda força de que necessitas
para perdoar por mais difícil que possa parecer.
.
Uma Semana Repleta de Bençãos Para Você.

Edimar Suely
jesusminharocha.blig.ig.com.br